Não foi
necessário ajuste algum no vestido da noiva: a mãe de Rose era exatamente do
seu tamanho em sua idade precoce de casamento.
A Condessa
Stella Harmand foi uma mulher radiante. Morrera aos trinta anos, no auge de sua
beleza e luz. Ah, como Rose amava sua mãe. Perdidamente. Seu maior
ressentimento com seu iludido pai é o fato dele nunca ter percebido que anjo
maravilhoso lhe dera suas quatro filhas. Que mulher deslumbrante ele maltratava
e esquecia. Ela, por sua vez, parecia que pertencia ao jardim, dançando com as
crianças, suas flores preciosas, tão feliz longe dele, tão feliz! Rose acha que
foi o desamor do pai que matou sua mãe. Ela acaricia o vestido em seu corpo,
como se acariciasse sua genitora que lhe dera tanto amor, mas que partira tão
rápido como um sonho bom.
Será feliz? Mais
que sua mãe com seu pai certamente, não é muito difícil. Tem o amor e cuidado
de dois homens. Seria medo de não ser amada por ninguém?
Seus cabelos são
esticados, trançados, perfumados. Rose pede:
– Por favor, não
prendam demais. Eu não gosto de parecer muito mulher.
– Como assim? –
pergunta a criada.
– Eu ainda sou
menina. Não vê?
Ninguém a enxerga?
As maquiadoras
mal conseguem fazer seu trabalho: as lágrimas que caem de seus olhos borram a
pintura a todo instante. Elas já começam até a perder a paciência.
É quando Lorence
aparece no quarto, causando o alvoroço das criadas. Rose levanta-se depressa as
acalmando:
– Esperem, senhoras,
é meu amigo! Só quero ficar a sós com ele um minuto.
– Isso é
absurdo! – reclama a cabeleireira.
– Três segundos!
– implora a noiva, quase histérica.
Resmungando, as
criadas os deixam por um instante. Rose abraça-o chorando. Lorence a afasta com
delicadeza, mas fala firme:
– O que é isso?
Essa não é a Rose que eu conheci: parece um bebê chorão. A mulher pela qual eu
me apaixonei é forte, madura, sabe enfrentar os problemas de cabeça erguida! Eu
nunca te vi chorando, Rose.
– Lorence –
resmunga triste – Eu quero morrer…
– Mas que
absurdo. – ele quase ri – Por quê?
– Eu te amo.
– Eu te disse
que isso não mudará nada, não disse? Ajude-me a me tornar um nobre para que um
dia possamos nos casar. Faça isso por mim: por nós! Você é tão jovem, Rose,
teremos tempo de fazer uma família um dia. Não seja tão ansiosa! Não perca a
cabeça. – dá-lhe uma pausa – Você está linda, sabia?
Escapa um
sorriso tímido de seu rosto molhado. Lorence continua:
– Pena estar
toda borrada. Pare de chorar, vai. Comporte-se. – enxuga suas lágrimas – Acabou
faz tempo nossos três segundos. Vão começar a desconfiar dessa demora. – dá um
leve beijo em sua boca e some dali.
As criadas
voltam com expressões desconfiadas. Ela enxuga o resto das lágrimas e engole
sua tristeza, empurrando-a para o fundo do peito. Senta em sua cadeira devagar,
com o olhar perdido, sem expressão. Dá a mão para fazerem suas unhas, enquanto
as maquiadoras refazem sua maquiagem.
Andy coloca a
casaca cinza, abotoa os últimos botões. Olha para os sapatos ao lado do espelho.
Suspira.
A multidão
começa a preencher todos os lugares do Templo Pátrice da Capital. O lugar está
enfeitado como poucas vezes já havia sido: variadas flores e folhagens
misturando-se com sedas e tules, velas esculpidas com todo capricho e incensos
raros a perfumar o ar. O sol está forte,
entra majestoso pelos vitrais. Está tudo preparado, menos o coração dos noivos.
O murmúrio das
conversas atinge o lado de fora num volume considerável: são mais de trezentas
pessoas vestindo o que há de mais caro e pomposo. Os militares estão com todas
as suas medalhas, as mulheres ostentando as mais valiosas joias, os nobres com
seus mais ricos veludos e sedas. O contraste com a mensagem escrita nas paredes
do templo é gritante:
“Tudo que à terra pertence, na terra permanece. Ao
Deus do Espírito, só os tesouros da alma têm valor”.
Por isso, apesar
da opulência de seu templo, o Sacerdote Mathya aguarda os noivos com uma túnica
lindamente simples, como um asseado eremita.
Andy desce da
carruagem, trêmulo, preparando-se para entrar no santuário da religião da qual
também pouco conhece. A rainha, vestida magnificamente de veludo carmim com
bordados dourados e pedrarias, o espera na entrada.
Ele estranha:
sua mãe não viera?
– Onde está
minha mãe, minha avó? Com o seu perdão, era ela quem deveria entrar comigo.
– E seus
sapatos, onde estão?
Andy olha para
os pés descalços e responde muito naturalmente:
– Onde sempre
estiveram: guardados. Acho que minha mãe importa mais do que os sapatos.
– Não foi
chamada. Não deu tempo. – responde a rainha, nervosa.
Não podia
suportar a ideia de que o neto entraria descalço ao seu lado no meio de gente
tão ilustre! Andy também fica possesso: como assim não chamaram sua mãe?
Deveriam estar
todos aí: ela, Felix, Andrew, Evelyn, Dennis, as gêmeas… sua Heidi! Não pode
acreditar, que injusto! Será que nem essa alegria poderiam ter lhe dado nesse
dia? Estaria Dona Cedes orgulhosa dele? Com certeza muito mais que sua avó. Ele
finalmente estica o braço para ela.
As oito damas de
honra? Não conhece nenhuma. Nem parece que quem casará será ele: nem a noiva,
teoricamente, escolheu. Entra sendo cercado pelos olhares dos convidados que
também não conhece. Um ou outro nobre com quem conversou muito
superficialmente, mas só. Tranquiliza-se um pouco ao chegar perto do altar e
ver Ian Poler com os vários padrinhos e madrinhas que ele também não escolheu.
É tudo muito
surreal, parece um teatro, ou talvez seja mesmo. É deixado pela avó com uma
reverência formal no local onde deve esperar sua futura esposa.
O rei aguardava
logo ao lado, a expressão demonstrando orgulho do vistoso neto, ainda mais
bonito pelas roupas, mas também severa, extremamente reprovadora por ele estar
descalço e repreendendo-o por antecipação, caso queira fazer alguma coisa para
estragar a cerimônia.
Quer fugir,
lógico que quer, mas está se sentindo tão pressionado que mal consegue se
mexer. Parece que sua mente travara todo o seu corpo. Sente-se ali no meio como
um animal preparado para o sacrifício, como uma criança perdida no meio do mar.
Sente-se extremamente só no centro daquela multidão.
Mathya, este sim
um velho conhecido, lhe sorri orgulhoso: sabe do paganismo do príncipe, não
esperava sinceramente que um dia fosse casá-lo. Muitos outros sacerdotes
pátrices estão assistindo o desempenho dele.
Nesse instante,
um gelado na barriga: é ela.
A marcha nupcial
começa a ser tocada pela orquestra contratada.
Surge, escura
pela luz forte que a envolve, a imagem de sua noiva, logo amparada pelo pai. As
pétalas vão sendo esparramadas pelo caminho, percorrido melancolicamente pela
garota.
Seu vestido é
cor de pérola, brilham as transparências de seus braços que terminam em uma
manga larga, que ultrapassa a cintura, enquanto suas delicadas mãos seguram o
buquê de rosas brancas. O vestido tem uma cauda discreta, também coberta pelo
tecido transparente que forma as mangas e o véu que cobre seus cabelos repletos
de flores. Uma simples tiara tripla dourada envolve sua cabeça como uma
auréola. E mesmo simples assim, ela está deslumbrante.
Andy nunca viu
ser tão magnífico. É uma visão, uma miragem, pronta para se tornar realidade em
sua vida. Agora sim isso não parece estar acontecendo, agora que a vertigem
realmente começa.
Rose tem a
expressão tão morta quanto de um manequim em uma vitrine. Não acredita que
esteja ali, que todas essas pessoas não farão nada para salvá-la, nem mesmo
Lorence que a espera sentado bem junto à porta de entrada, ou Saul que nem pôde
vir na comitiva de seu pai por ser apenas um tratador.
O que fazer
agora que já botou os malditos pés dentro do templo? Seu pai segura fortemente
seu braço, com medo que ela fuja antes de terminar o interminável trajeto. De
que adiantaria? Não há para onde fugir, não agora.
É deixada em
frente ao noivo que baixa os olhos, envergonhado por estar submetendo essa
jovem a tudo isso.
A voz do
sacerdote começa a soar, nenhum dos dois consegue discernir suas palavras.
Parecem um emaranhado de sons atrapalhando seus pensamentos. Rose mal consegue
segurar as lágrimas. Andy olha para ela de vez em quando, com profundo desejo
de consolá-la.
Em meio aos seus
pensamentos, ouve as palavras de Mathya:
– Vossa Alteza
Real, príncipe Andy Jenniz Mideline, aceita a Viscondessa Rose Laetitia Junas
Philip Von Richmore Harmand como vossa legítima esposa, para amá-la e
respeitá-la, todos os dias de vossas vidas até que a morte vos separe nesta
Terra?
Andy emudece.
Olha para o rei
que quase esmaga o cetro, tendo a mão da rainha repousada sobre a sua
delicadamente, pedindo calma. Essa visão, incrivelmente, acalma-o: mesmo velho
e enlouquecido pelo poder, o seu avô Lucius tem a mão da rainha sobre a sua. Ao
olhar para Poler, embora seu olhar seja muito mais sereno, perturba-o ver que
uma alma tão amorosa não tinha mão nenhuma a lhe confortar.
Quer essa mão delicada, quer abrir seu coração
a essa mulher!
Olha por fim
para Rose, que, espantada com a demora da resposta, levanta os olhos doces como
se perguntasse: por que não responde? Por
que hesita em tomar-me como sua mulher, sendo que sabe o quanto me quer e que
nunca encontrará olhos como os meus? E lendo todos esses olhos, nesses
intermináveis segundos, Andy fecha os seus e se joga no abismo:
– Sim.
A pergunta é
repetida, palavra por palavra a Rose, que as ouve como o riscar de um giz
empedrado no quadro negro. Ela teme o que sua boca pode responder, ela teme
errar a palavra. Mas sabe que seja qual palavra escolher, será a errada. Aperta
o buquê, não olha para ninguém, aperta as pálpebras já fechadas e cospe:
– Sim! – é um
sim assustador, soltado com ódio, com vontade de completar dizendo “pronto! Não era isso que vocês queriam?!”.
Segue a troca de
alianças. Andy tinha-as guardadas em seu bolso esquerdo. Seus dedos procuram os
dela, sua mão está trêmula como as de sua noiva. Sente-se a algemando, acorrentando-a
com o anel de ouro em seu delicado dedo. Ela, sem nem mesmo olhá-lo, desliza o
grande anel de forma frouxa, obrigando Andy a terminar de colocar.
Os dois ouvem
atentos às palavras finais do sacerdote:
– Sendo assim,
tendo a bênção do Deus Supremo e nosso amado Deus das Almas como testemunha, eu
vos declaro marido e mulher. Pode beijar vossa noiva, Alteza. – sorri o bem
intencionado pátrice.
Andy ergue as
sobrancelhas e suspira, tenso. Olha para sua esposa, que levanta os olhos,
assustada, e logo volta a baixá-los. Que linda esposa, que linda lebre indefesa
foi para ele capturada. Quer fazer dela a mulher mais feliz desse mundo.
Levanta seu
delicado queixo com a ponta dos dedos e toca em seus lábios com carinho,
sentindo o calor de sua respiração, a maciez da pele e da boca de uma mulher.
Que delícia.
Só lamenta ter
sido logo no altar o seu primeiro beijo.
Antes de
afastar-se completamente, Rose baixa a cabeça e dá um passo para trás, devagar,
enojada. Deixa uma lágrima rolar e derruba no chão seu buquê. Olha para todos
que a rodeiam, perdida, irritada. Assim que a música volta a tocar, a nova
princesa segura as saias do vestido e engata uma corrida veloz para fora da
igreja, surpreendendo a todos. Lorence tenta contê-la, mas Marguerite não
deixa:
– Não se
preocupe. Ela já está casada: pode fazer o fiasco que quiser.
Os comentários
se tornam ensurdecedores, a orquestra tenta continuar, mas acaba parando. Andy
olha para onde saiu sua mulher, triste, magoado. Acaba sentando no altar onde
se ajoelharam para jurar amor eterno: que amor?
Lucius ordena,
num sussurro grave, que Andy procure a esposa imediatamente. Apático, ele
levanta, desliza os dedos pelas mechas de seus cabelos encaracolados em frente
ao paletó. A aliança enroscando nos fios castanhos, deslocada em sua mão ao
lado do anel pagão que ganhou de Ada. Puxa o ar. Percorre com o passo apertado
o longo corredor, pisando as pétalas com seus pés descalços. Ao fim do caminho
já está correndo, a garganta travada pela agonia, pela humilhação.
Vede, oh povo de Elderwood, seu patético príncipe
sendo abandonado. Contai a todos, logo e ainda por muitos anos, essa história
de rejeição tão vergonhosa.
Após os
padrinhos deixarem o templo, seguindo o cerimonial combinado, os convidados
devagar começam a deixar seus acentos e ir para onde a festa acontecerá, com ou
sem os noivos: o glorioso salão de festas do Palácio de Pedra, que há tanto
aguardava uma festa como essa.
Poler comprime
os lábios, sentindo muitíssimo pelo ocorrido. Ver seu garoto suspirando em seu
quarto por ela e se deparar com uma cena dessas depois é de cortar o coração.
Espera que eles se entendam. Formam um casal tão adorável.
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